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Inteligência Policial como mecanismo de prevenção e resposta aos ataques nas escolas

Inteligência Policial como mecanismo de prevenção e resposta aos ataques nas escolas
  • Por Rafaela Lobato[1] e Emerson Wendt[2]

Os ataques em escolas brasileiras se tornaram o assunto mais preocupante do momento, em razão até do curto espaço de tempo entre um ataque e outro, realidade incomum no país. Esse cenário é consequência da conjunção de diversos fatores, como a insatisfação dos alunos com a educação, a ausência de controle dos estudantes, o bullying/cyberbullying e, também citado por especialistas, o aumento da idolatria por criminosos.

A onda de denúncias de ataques em escolas brasileiras tornou-se corriqueira após o ataque a uma creche estadual em Blumenau, Santa Catarina. Situação semelhante ao caso da escola na cidade de Suzano/SP, no ano de 2019.

Para enfrentar os ataques, o Governo Federal, através do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), lançou a Operação “Escola Segura”, englobando tanto medidas preventivas[1], quanto repressivas (MJSP, 2023).

Por outro lado, o que resta evidente, após análise do cenário internacional, é que a tratativa da problematização recorre ao auxílio de mecanismos da inteligência policial, somado à investigações cibernéticas, principalmente relacionadas à coleta de dados em fontes abertas, na surface e deep web.

A incitação aos crimes dos ataques à escolas são perceptíveis nos meios tecnológicos, sobretudo nas redes sociais em que crianças e adolescentes possuem fácil acesso, como o Instagram, o Facebook, o TikTok e o Twitter. Perfis com fotos e referências aos nomes dos envolvidos nos ataques anteriores são criados abertamente, como forma de apologia[2] aos atos anteriores.

Destaca-se, então, que sequer é necessário adentrar na Deep Web para acessar as organizações para os ataques e, até mesmo, as próprias incitações tanto aos criminosos, quanto aos crimes. O “simples” acesso às plataformas é um dos fatores que contribuem para a cooptação de jovens que demonstrem interesse no cometimento dos crimes, ainda que minimamente, através de publicação de opiniões ou a inclusão em grupos temáticos. A partir dessa demonstração de interesse, das crianças e dos adolescentes, eles são convidados a participarem de fóruns específicos, sendo a maioria restrita, especialmente no Discord.

A pesquisadora Michele Prado, do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP (Universidade de São Paulo), afirma que uma pessoa que compartilha esse tipo de conteúdo ou idolatra responsáveis por massacres “não é um criminoso em potencial, mas é alguém que acredita que a violência é uma solução legítima para as suas demandas” (MORI; LEMOS, 2023).

Acrescenta, a pesquisadora, que “Quando alguém começa a reproduzir esses conteúdos, é um sinal vermelho de que a pessoa acredita que a violência é a única solução para a sua demanda, para a sua queixa” (MORI; LEMOS, 2023a).

A BBC News Brasil entrou em contato com a plataforma TikTok afirma que tem mecanismos para receber denúncias sobre possíveis casos de incitação a ataques e que trabalha continuamente para remover esse tipo de conteúdo.

O Twitter, com o recente afrouxamento de fiscalizações, é um dos mecanismos mais utilizados para os simpatizantes aos ataques se reconhecerem, principalmente diante a possibilidade de utilização de hashtags. Estas também são um referencial no Instagram.

A rede social Twitter está optando por responder os questionamentos sobre posicionamento por parte da mídia e das autoridades públicas com emoji. Na última reunião presencial, a advogada da da empresa chegou a dizer que um perfil com foto de assassinos de crianças (perpetradores dos massacres em escolas) não violava os termos de uso da rede e que não se tratava de apologia ao crime. No encontro, o Ministro da Justiça, Flavio Dino, e a assessora responsável pelo tema no ministério, Estela Aranha, se mostraram indignados com o posicionamento descompromissado e pouco colaborativo da rede. Os perfis, elencados pelo Governo Federal à plataforma, mostravam não só imagens de crianças agredidas, como ameaças e músicas enaltecendo ataques a escola. Porém, o Twitter ignorou os apontamentos (DUALIBI, 2023).

Inclusive, as referências entre os crimes dos ataques nas escolas é visível diante a informação de que o adolescente de 13 anos que invadiu uma escola em 27 de março na Zona Oeste de São Paulo, que matou uma professora e feriu cinco pessoas, considerando a alusão a um dos autores do massacre em Suzano (SP) em 2019, como a utilização do mesmo sobrenome (MORI; LEMOS, 2023a).

Nos últimos anos, houve uma proliferação de conteúdos extremistas compartilhados abertamente nas redes sociais, aponta Thiago Tavares, presidente da SaferNet Brasil, ONG que atua desde 2006 na promoção e defesa dos direitos humanos na internet e recebe denúncias anônimas sobre crimes:

O que a gente tem visto é um recrudescimento da radicalização entre jovens, que são muitas vezes recrutados pelas redes, como por meio de fóruns de games, em plataformas específicas ou em redes sociais como o Twitter. Já a DeepWeb é usada quando já existe um certo nível de radicalização instaurado. (MORI; LEMOS, 2023a). 

A investigação cibernética em fontes abertas é o caminho que permite a visualização prévia de tentativas de ataques. Além disso, a inteligência policial e/ou de segurança pública, ao observar dados, servirá de norte para que haja a prevenção certeira de ataques em escolas brasileiras. Não só a prevenção, mas também o caminho para o correto enfrentamento dos crimes no ambiente cibernético.

Há elaboração de planos que convergem para a prevenção e investigações desses ataques, em específico nas escolas. No dia do último massacre, ocorrido em Blumenau/SC, o ministro da Justiça e Segurança Pública anunciou a liberação de R$150 milhões para ampliar a atuação das rondas escolares - grupos de policiais militares ou guardas civis que fazem policiamento ostensivo nas portas e nos arredores de unidades escolares e creches (MJSP, 20232).

Os Estados Unidos, diante ataques semelhantes, já investiram bilhões de dólares em segurança pública nas escolas. Porém, dados demonstram que não houve resolução e, tão pouco, diminuição da problemática, considerando que no ano de 2022 houve um crescimento dos ataques em escolas (SANCHES, 2023).

De acordo com Justin Heinze, professor de saúde educacional da Universidade de Michigan e diretor do Centro Nacional de Segurança Escolar, a princípio, o aumento dos procedimentos de segurança na escola podem resultar em consequências positivas para lidar com o problema, mas estão longe de serem condições suficientes para prevenir os ataques (SANCHES, 2023). Conforme Heinze,

Não há hoje grandes evidências científicas para apoiar a ideia de que essas medidas tenham impacto definitivo na prevenção de massacres. A gente não desencoraja a adoção delas - até porque costumam ter impacto positivo em outras áreas da vida escolar, mas relembra à comunidade que esse não pode ser o único caminho para tentar combater o problema dos ataques. (SANCHES, 2023).

Recentemente, após o ataque na creche de Blumenau/SC, o Governo do Estado divulgou que disponibilizará um policial para cada escola pública como forma de tentar impedir novos ataques (BORGES; BATISTELLA, 2023). Ao utilizarmos as metodologias da atividade de inteligência policial, por outro lado, torna-se possível perceber que o caminho trilhado demonstra a necessidade de seu melhor aproveitamento, também como forma de otimização na utilização dos meios operacionais, fazendo mais com menor custo.

Portanto, a raiz do problema não se interliga exclusivamente às investigações dos crimes em que despertaram o massacre em escolas, mas principalmente através da prevenção. Proatividade dos órgãos de segurança pública é realizada por meio da atividade de inteligência. Por isso, é necessário investir permanentemente em unidades compostas por cybercops ou virtual cops, policiais que possam estar, no dia a dia, monitorando a retirando informações úteis à segurança pública. Frisa-se que essas unidades precisam estar conectadas estruturalmente às unidades de inteligência no âmbito da segurança pública, no âmbito das polícias civis.

A prevenção policial, está, então, intimamente interligada à inteligência policial, considerando que esta realiza a busca e a análise de dados que permitem ao tomador de decisões a escolha por políticas públicas que sejam eficazes, após a observação crítica das situações. Nos casos específicos, temos exemplos de sobra para motivar a criação de unidades, dentro da atividade de inteligência, de cybercops.

A presença de policiais no ambiente virtual, que sejam capacitados em inteligência policial e/ou em investigação cibernética, somado ao investimento em sistemas e mecanismos modernos que permitam a elaboração de operações eficientes, pode ser o primeiro passo para que o Brasil não seja visualizado internacionalmente como um dos países com alto índice de massacres em escolas, embora já tenhamos o registro de pelos menos 10 ataques a creches e escolas no Brasil nos últimos 12 anos (BRASIL, 2023).

Pelo exposto, resta evidente que o caminho a ser traçado no enfrentamento aos massacres é o usufruto da inteligência policial, aplicada ao ambiente cibernético, com policiais treinados e dedicados, aptos a produzir conhecimentos úteis à prevenção aos ataques nas escolas.

Referências

BORGES, Caroline; BATISTELLA, Paulo. Após ataque em creche, SC anuncia colocar um policial armado em cada escola estadual em até 60 dias. G1 Santa Catarina, 10/04/2023. Disponível em: https://g1.globo.com/google/amp/sc/santa-catarina/noticia/2023/04/10/apos-ataque-em-creche-sc-anuncia-colocar-um-policial-armado-em-cada-escola-estadual-em-ate-60-dias.ghtml. Acesso em: 11 abr. 2023.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 11 abr. 2023.

BRASIL teve mais de 10 ataques a creches e escolas desde 2011; relembre. G1 Santa Catarina, 05/04/2023. Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2023/04/05/brasil-teve-mais-de-10-ataques-a-creches-e-escolas-desde-2011-relembre.ghtml. Acesso em: 11 abr. 2023.

DUALIBI, Júlia. Twitter causa espanto em reunião com o governo. G1 Política, 11/04/2023. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/blog/julia-duailibi/post/2023/04/11/twitter-causa-espanto-em-reuniao-com-o-governo.ghtml. Acesso em: 11 abr. 2023.

MJSP vai financiar policiamento nas escolas e monitorar internet. Ministério da Justiça e Segurança Pública, 05/04/2023. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/mjsp-vai-financiar-policiamento-nas-escolas-e-monitorar-internet. Acesso em: 11 abr. 2023.

MORI, Letícia; LEMOS, Vinícius. A idolatria a autores de ataques a escolas que circula livremente em redes sociais. BBC News Brasil, 6/4/2023a. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgr15664953o. Acesso em: 11 abr. 2023.

MORI, Letícia; LEMOS, Vinícius. A idolatria a autores de ataques a escolas que circula livremente em redes sociais. Folha de São Paulo, abril 2023b. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/04/a-idolatria-a-autores-de-ataques-a-escolas-que-circula-livremente-em-redes-sociais.shtml. Acesso em: 11 abr. 2023.

SANCHES, Mariana. Por que ter guardas armados em escolas não impediu massacres nos EUA. BBC News Brasil, 08/04/2023.Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c3gr34rk8g4o. Acesso em: 11 abr. 2023.


[1] Denúncias podem ser feitas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública por meio do link https://www.gov.br/mj/pt-br/escolasegura.

[2] Apologia de crime ou criminoso: “Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.”


[1] Delegada de Polícia Civil no Estado do Mato Grosso do Sul, lotada na 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM). Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal. Pós-graduada em Direito Público. Especialista em Direito da Mulher. Capacitada em Inteligência Policial. Foi fundadora do 1º escritório de Advocacia para Mulheres do Estado do Tocantins.

[2] Delegado de Polícia Civil no Estado do Rio Grande do Sul. Mestre e Doutorando em Direito pelo PPGD da Universidade La Salle Canoas – RS. Integrante do Conselho Superior da Polícia Civil do RS. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9475388941521093.

Artigo publicado originalmente no Canal Ciências Criminais.

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